Algumas horas após termos publicado a nossa primeira Carta
Aberta chegou-nos a notificação de despejo pela mão da Polícia Municipal
(PM) e PSP assinada pela Vereadora Helena Roseta. Nela é dito, de essencial,
que temos dez dias úteis para abandonar o imóvel, caso contrário «a PM
executará a desocupação de forma coerciva», a partir de dia 16 de Maio. A
Vereadora escreve ainda, comunicando connosco através das suas forças
policiais, que se disponibiliza para uma reunião no dia 10 de Maio, pelas 15h
no seu gabinete.
Lamentamos que seja esta a forma mais cordial que
encontrou para se dirigir a este projecto e lamentamos que pense ser possível juntar duas
partes interessadas a uma mesa negocial, quando sobre a proposta e projecto de
uma das partes se pendura uma espada afiada – o despejo em contra-relógio de 10
dias.
Voltamos a afirmar: Chegámos ao 94 da Rua de São
Lázaro no dia 25 de Abril de 2012. Nos dias que passaram, estiveram pela casa
centenas de pessoas, tivemos debates, concertos, projecções de cinema, yoga,
jantares, cabarets... Houve trabalhos na casa, limparam-se as salas,
rasparam-se e pintaram-se paredes, arranjou-se a canalização. Tudo isto num
vaivém de gente que tanto se sentava a conversar como pegava na pá e na
vassoura. O que se pode consultar demoradamente em saolazaro94.blogspot.pt.
Relembramos: Em 25 de Novembro de 2010, a Vereadora
Helena Roseta despejou o mesmo 94 de São Lázaro com a justificação de ter
projectos aprovados para o edifício. Não aconteceu nada mais que a lenta continuação
da ruína do prédio, causadora de vários problemas para os outros ocupantes
deste edifício, inquilinos da CML. Uma degradação testemunhada pelos nossos
vizinhos que nos vêm congratular ao ver o prédio ganhar vida.
O levantamento do parque edificado devoluto da cidade
de Lisboa, feito pelo seu pelouro, diz-nos que nesta rua há vários prédios,
parcial ou totalmente devolutos, mais de uma dezena sob a tutela da CML. Onde a
CML faz projectos a 10 anos, que tarde ou nunca concretiza, uma mão cheia de
gente levanta um espaço coletivo, enche-o de centenas de outras mãos, num
ferver que não cabe numa 'revitalização', 'reabilitação', 'reanimação', ou
outros tantos 're', que se amontoam nas páginas dos inúmeros projectos que não
saem do papel. Cara Vereadora, somos habitantes da cidade de Lisboa que
assistem, pensam e criticam há vários anos o modelo de revalorização a que têm
sido sujeitos os bairros da cidade.
Nem todos os edifícios devolutos são propriedade da
CML, nem todos os que ocupam o fazem para criar um 'espaço cultural'. Já
ninguém se surpreende com as casas vazias ou com as marcas no corpo de quem
procura abrigo num qualquer prédio abandonado. Esta normalidade é apenas a fina
pele de um balão prestes a explodir. Não se resolvem problemas de habitação
emparedando e espancando. O direito a ser dono nunca será maior do que o
direito a ter um tecto, seja para o que for. São palavras que lhe sabemos
familiares, simplesmente saíram do papel e estão a tomar as ruas.
Posto isto e no que toca a São Lázaro 94, não temos
mais a dizer-lhe nas condições que nos impõe. Não obstante, não querendo fechar
a possibilidade de um amplo debate sobre a cidade de Lisboa, que este alegre elefante
na sala veio proporcionar, convidámos três profissionais e especialistas que
têm trabalhado em Lisboa - na área social e urbana - para aceitar o seu convite
para dia 10 e que levarão consigo esta nova Carta Aberta.
A Assembleia da Casa de São Lázaro 94
10 de Maio de 2012